AH/SD + TEA: o que é a dupla excepcionalidade?

AH/SD + TEA: o que é a dupla excepcionalidade?

Estar no espectro autista (TEA) e ter Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) significa ser uma pessoa com Dupla Excepcionalidade (DE), uma condição complexa caracterizada pela coocorrência de habilidades superiores à média com algum transtorno ou deficiência. Essa associação de características pode levar a necessidades educacionais e de apoio diferenciadas.

Aqui estão os significados de cada condição e como elas se manifestam juntas:

1. Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD)

As Altas Habilidades/Superdotação referem-se a habilidades e comportamentos que ocorrem com frequência e estão acima da média da população. Pessoas com AH/SD podem apresentar:

• Proficiência em diversas áreas da inteligência, como intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes.

• Grande criatividade.

• Entusiasmo pela aprendizagem e excelência em suas áreas de interesse.

• Comprometimento com a tarefa, que é uma forma refinada e concentrada de motivação, representando a energia direcionada a um problema ou área específica de desempenho, incluindo perseverança, persistência, trabalho árduo e autoconfiança.

• A Teoria dos Três Anéis de Renzulli (2004) descreve a superdotação como a intersecção de habilidade acima da média, envolvimento com a tarefa e criatividade.

• Gardner (1995) propôs a Teoria das Inteligências Múltiplas, identificando oito tipos de inteligência (linguística, lógico-matemática, espacial, corporal-cinestésica, musical, interpessoal, intrapessoal e naturalista), destacando que todos os seres humanos são “inteligentes” e que a tendência biológica para resolver problemas se vincula ao estímulo cultural.

2. Transtorno do Espectro Autista (TEA)

O TEA é compreendido como uma defasagem de fenótipos que se manifesta em déficits persistentes e clinicamente significativos na comunicação social e na interação com seus pares em múltiplos contextos, bem como padrões restritos e repetitivos de comportamentos inadequados em interesses e atividades.

• É um dos transtornos do neurodesenvolvimento, com alterações que se revelam muito cedo e desencadeiam dificuldades nas áreas pessoal, social, acadêmica e profissional.

• A sintomatologia do TEA é complexa e variável, o que muitas vezes dificulta o diagnóstico precoce.

• Pessoas com TEA podem apresentar dificuldades na adaptação ao meio, associadas à cognição social (capacidade de reconhecer, manejar e ajustar o comportamento a partir de informações sociais).

• É comum a disfunção executiva, mesmo em adultos com bom desempenho intelectual, resultando em dificuldades para processar vários estímulos e informações, inflexibilidade do pensamento e resistência a mudanças.

• Os déficits de linguagem variam desde a ausência total de fala até atrasos, compreensão reduzida e uso de linguagem literal ou afetada, com a comunicação social recíproca prejudicada.

• Crianças menores com TEA podem ter prejuízos mais evidentes no envolvimento com outros e no compartilhamento de ideias e sentimentos, e dificuldades em imitar comportamentos.

3. Características da Dupla Excepcionalidade (DE = AH/SD + TEA)

A dupla excepcionalidade, especificamente AH/SD e TEA, é uma condição paradoxal onde uma condição pode mascarar a outra, tornando a identificação um processo complexo e desafiador. Déficits e Desafios (devido ao TEA):

• Interação Social: Fraca capacidade de interação social, isolamento social relativo, dificuldade em fazer amizades. Podem fazer poucas perguntas em interações e ser mais introvertidos.

• Comunicação: Problemas para entender linguagem figurada, não verbal, metafórica, piadas e abstrações, bem como distinguir ficção da realidade. A linguagem oral pode ser unilateral, sem reciprocidade social.

• Adaptação e Flexibilidade: Inflexibilidade do pensamento, resistência a mudanças, padronização de comportamentos e rigidez cognitiva.

• Processamento Sensorial e Emocional: Sensibilidades sensoriais atípicas (como à barulhos), dificuldades com expressões de afetividade, compreensão de expressões faciais, alterações no humor, irritabilidade e agressividade. Podem ter prejuízos na percepção das emoções e na empatia, que é a capacidade de inferir e compreender estados mentais dos outros.

• Comportamentos: Comportamentos repetitivos e estereotipados (ecolalias, estereotipias). Podem ter dificuldades na coordenação motora.

• Atenção: Dificuldades de atenção e hiperatividade (TDAH, se coexistente), que podem gerar divagação, desorganização, lentidão no raciocínio e exaustão.

• Assincronias: Desafios socioemocionais e assincronias entre os aspectos intelectuais, sociais e emocionais/psicomotores.

Potenciais e Forças (devido às AH/SD):

• Habilidades Cognitivas: Cognitivo preservado, raciocínio e memórias normais ou acima da média, excelente memória (especialmente em assuntos de interesse), bom pensamento abstrato.

• Criatividade e Originalidade: Pensamento analítico, originalidade na oralidade, criatividade e inventividade.

• Interesses: Grande envolvimento e facilidade de aprender em áreas de interesse (hiperfoco), autonomia no processo de aprendizagem, criticidade, curiosidade e atitude questionadora.

• Comprometimento: Altos níveis de perfeccionismo, grande envolvimento com atividades de seu interesse, dedicação intensa àquilo que os apaixona.

• Velocidade de Processamento: Podem ter boa fluência verbal e de pensamento, embora alguns possam apresentar fraca velocidade de processamento em certas áreas.

• Liderança: Podem demonstrar autonomia e proatividade.

Dificuldade de diagnóstico e importância da identificação

O processo de identificação de dupla excepcionalidade, especialmente em adultos, é incipiente e complexo devido à escassez de pesquisas e profissionais capacitados. Uma condição pode camuflar a outra. A avaliação deve ser ampla, determinando o nível das AH/SD e o tipo/grau do déficit, o impacto de cada condição na outra, e a origem das dificuldades. É um processo multiprofissional, envolvendo profissionais da saúde mental e da educação. A identificação precoce é crucial para intervenções apropriadas e para possibilitar o desenvolvimento dos potenciais.
Necessidades Educacionais e de Apoio Pessoas com dupla excepcionalidade possuem necessidades de diferentes ordens, inclusive educacionais, inerentes às duas condições.

• É necessário desconstruir representações equivocadas sobre AH/SD e dupla excepcionalidade para promover ações inclusivas.

• O livro “Dupla excepcionalidade e Altas Habilidades/Superdotação: entre pesquisas e práticas” busca dar visibilidade a essas condições e incentivar a reflexão sobre suas implicações educacionais, sociais e emocionais.

• Recomenda-se a utilização de múltiplos instrumentos no processo de identificação, formação continuada para professores e desenvolvimento/adaptação de instrumentos específicos para esta condição.

• Professores devem abandonar ideias preconceituosas, focar nas necessidades individualizadas dos alunos e desenvolver programas de atendimento que as atendam.

• As aulas não devem ter metodologias repetitivas, pois estudantes com dupla excepcionalidade não gostam da “mesmice”.

• É importante trabalhar a suplementação (enriquecimento curricular para as AH/SD) e a complementação (para os déficits do TEA), com estratégias diversificadas e flexibilização curricular.

Estar no espectro autista e ter AH/SD significa ter um perfil singular onde grandes talentos e capacidades coexistem com desafios significativos na comunicação social, interação e flexibilidade cognitiva. Essa complexidade exige uma compreensão aprofundada, um processo de identificação cuidadoso e suportes educacionais e sociais individualizados para que o potencial seja plenamente desenvolvido e os desafios sejam minimizados.

Referências

Medeiros, R. V., & Pavão, S. M. de O. (Orgs.). (2024). Dupla excepcionalidade e altas habilidades/superdotação: entre pesquisas e práticas. Arco Editores.