Manifestações clínicas x diagnóstico formal

Manifestações clínicas x diagnóstico formal

É possível que uma pessoa apresente manifestações clínicas de um transtorno mental sem preencher todos os critérios necessários para fechar o diagnóstico formal?

A resposta é com certeza. Isso pode acontecer por diversos motivos e é algo que os profissionais da saúde mental podem observar com bastante frequência.

Como isso pode acontecer?

Os critérios diagnósticos, como os estabelecidos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) ou na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), são guias que definem os sintomas e características específicas que uma pessoa precisa apresentar para receber o diagnóstico de um transtorno mental. No entanto, a realidade clínica é muito mais fluida e complexa do que os manuais podem descrever.

Muitas pessoas podem experimentar sintomas isolados ou grupos de sintomas que lembram os de um transtorno específico, mas que não atingem a quantidade, a intensidade ou a duração necessária para o diagnóstico formal. Aqui estão algumas situações comuns em que isso pode ocorrer:

  1. Sintomas subclínicos: Algumas pessoas apresentam sintomas que estão abaixo do limiar necessário para o diagnóstico. Por exemplo, uma pessoa pode sentir tristeza persistente e perda de interesse, características da depressão, mas esses sintomas não são intensos ou frequentes o suficiente para justificar um diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior.
  2. Episódios transitórios ou contextuais: Certas manifestações clínicas podem ser reações temporárias a situações estressantes, mudanças na vida ou traumas recentes, sem necessariamente indicar um transtorno mental. Por exemplo, alguém que enfrenta o término de um relacionamento pode apresentar sintomas de ansiedade ou depressão por um período curto, mas isso pode ser considerado uma resposta adaptativa em vez de um transtorno.
  3. Comorbidades e sobreposição de sintomas: Alguns sintomas são comuns a diferentes transtornos mentais, como dificuldades de concentração, insônia ou irritabilidade. Uma pessoa pode apresentar esses sintomas sem preencher os critérios de um transtorno específico, especialmente se os sintomas forem fragmentados ou dispersos entre diferentes condições.
  4. Fatores culturais ou individuais: A forma como os sintomas se manifestam pode ser influenciada pela cultura, pela personalidade ou pelo contexto de vida da pessoa. Por exemplo, em algumas culturas, sintomas de ansiedade podem ser expressos predominantemente como queixas físicas, o que pode dificultar o encaixe no critério de um transtorno como o Transtorno de Ansiedade Generalizada.
  5. Evolução do quadro clínico: Em alguns casos, a pessoa pode estar em uma fase inicial de desenvolvimento de um transtorno, na qual os sintomas ainda não se consolidaram de forma clara. Essa é uma razão pela qual os profissionais podem preferir monitorar o caso antes de fechar um diagnóstico.

Por que isso é importante?

Reconhecer que alguém pode ter sintomas sem um diagnóstico formal é fundamental para evitar a patologização excessiva, mas também para garantir que a pessoa receba suporte adequado. Ainda que os sintomas não “fechem” o diagnóstico, eles podem causar sofrimento e impacto na qualidade de vida. Nesse contexto, intervenções precoces, como psicoterapia, psicoeducação e mudanças no estilo de vida, podem ser extremamente eficazes para prevenir o agravamento do quadro.

O que o profissional deve fazer?

O papel do profissional da saúde mental é compreender a singularidade de cada caso, avaliar o contexto da pessoa e oferecer suporte, mesmo que não haja um diagnóstico formal. Isso inclui:

  • Escutar sem julgamentos: Focar no impacto dos sintomas, independentemente de preencherem critérios diagnósticos.
  • Psicoeducar: Ajudar a pessoa a entender seus sintomas e normalizar algumas reações como parte da experiência humana.
  • Propor intervenções precoces: Estratégias terapêuticas podem aliviar o sofrimento e promover bem-estar, sem a necessidade de um diagnóstico fechado.

Concluindo, as manifestações clínicas fora dos critérios diagnósticos mostram que a saúde mental é um espectro, e o foco deve estar no sofrimento e nas necessidades do indivíduo, mais do que em rótulos formais. Isso reforça a importância de uma abordagem acolhedora e individualizada na prática clínica.